Uma IA imersiva e dependente

Na continuação do artigo anterior, “O Paradigma da IA”, neste artigo vamos especificar a ideia que é dar as duas perspectivas: a positiva e a negativa. Pretende ser essencialmente uma análise crítica. Nem tudo serão rosas e vão existir inúmeras questões que nem têm sido abordadas, como a confidencialidade dos dados, a espionagem, a manipulação. Neste capítulo, temos diversos exemplos a surgirem como as traduções sem referências, a utilização de trabalhos sem autorização, a cópia descarada de estilos artísticos para comics, por exemplo. Por aí fora. Serão um sem número de situações para as quais as pessoas têm de se preparar ao fornecer ao poder político e às entidades fiscalizadoras (onde estão os apoios ao cidadão, por exemplo) os dados necessários para esclarecimento das situações:
a dependência, a substituição, a concorrência desleal, só para enumerar algumas. A regulamentação proposta pela União Europeia dentro de dois anos será lei para todos aqueles que operem no mundo ocidental. No fim do artigo, terão acesso ao índice dos artigos. 

Quando o TikTok apareceu só os mais novos se aperceberam do seu enorme potencial. Era possível ver e partilhar vídeos de muito curta duração de modo a poder ter mais e mais informação. Este acto de ver vídeos rápidos acabou por se tornar um vício levando os seus utilizadores a dependerem inteiramente da sua utilização. Procedente da China, a plataforma de pequenos vídeos agradou por ser de rápido consumo. O segredo, no entanto, está no seu elaborado algoritmo que entende os gostos dos utilizadores e propõe mais e mais temas para seu auto-consumo. Esta estratégia levou à criação de uma plataforma com um trilhão e meio de utilizadores: 1.500.000.000? Dir-se-ia que um terço da população global é viciada nestes filmes. De tal modo que os mesmos rapidamente transbordaram para outras plataformas sociais, onde podem ser vistos, tanto no Facebook, como no X, por exemplo. Uma grande parte dos países apercebeu-se do enorme problema criado e proibiram a sua difusão, como é o caso da Índia. Outros preparam legislação conducente à sua próxima proibição como é o caso dos Estados Unidos, que argumentam existir por parte do proprietário posição de monopólio. Se a legislação for aprovada pelo senado norte-americano como parece ser certo, a TikTok será obrigada a vender a sua posição à concorrência. No entanto, a empresa proprietária do algoritmo de análise e distribuição é outra o que leva a crer que a sua proibição poderá levar a uma enorme quebra de confiança por parte dos utilizadores. Na realidade, são tão dependentes da plataforma que parece não haver alternativas possíveis. Poderá mesmo levar a suicídios em série e a enormes fracturas geracionais. Na China, os jovens não podem usar mais de dez horas semanais as redes sociais. De tal modo, que passou a ser um problema de gestão do tempo frente a aplicações de carácter tecnológico para entretenimento. Subentende-se que ao viciar os jovens das culturas ocidentais, o poder político chinês utiliza as tecnologias das redes sociais para manipulação e alienação da juventude fora do seu país. Esta posição é corroborada por informações de dentro da própria que desenvolvera o algoritmo. Fora da China, a empresa que adquirir o enorme património de utilizadores do TikTok arrisca-se a cometer hara-kiri pois não terá direito a utilizar o poderoso algoritmo. Para entender a forma como um algoritmo é criado vamos analisar os seus componentes.

Fig 1 e 2: a partir de uma imagem, é fácil obter variações que poderão ajudar a desenvolver um projecto ou uma ideia.

Um algoritmo é um conjunto de fórmulas que têm o poder de seleccionar múltiplos parâmetros. ´´Um algoritmo é uma sequência de etapas computacionais que transformam a entrada na saída´´ (Cormen). Todas as plataformas sociais usam algoritmos para distribuir informação considerada apropriada para cada utilizador em particular. Através dos gostos (likes), da partilha, dos comentários, dos textos, da formação académica, da experiência, das deslocações e viagens e do grupo de amigos, o algoritmo vai adicionar características que considera importantes segundo esses parâmetros.  A ideia é não só manter o utilizador o maior número de horas possível agarrado à plataforma, como de usar a informação que selecciona e partilha para a criação de um perfil do consumidor. Uma pessoa que seja muito activista irá ver mais informação na forma de posts e artigos relacionadas com os seus gostos pessoais. Há excepções, no passado as plataformas têm usado os seus utilizadores como cobaias. Experimentam alterar comportamentos propondo informações levemente alteradas que conduzem a comportamentos induzidos. Isto em época de eleições é um manancial financeiro para quem queira ganhar. Essa é uma das razões pelas quais o Facebook teve de responder a megaprocessos pela utilização de dados por empresas alheias, como foi o caso da Mathematica e outros, vários espalhados pelo mundo. É uma área que os programadores gostam de usar pois podem fazer pesquisas bastante abrangentes na rede mundial de utilizadores desde que tenham acesso à API. Mais sobre este assunto à frente.

Há meios de enganar o algoritmo. Seja através de palavras chave, ou de silogismos subreptícios ou da criação de perfis falsos. A máquina entende literalmente o que lhe é colocado à frente. 

Se considerarmos a seguinte fórmula como um algoritmo bem sucedido compreendemos a razão de a maioria dos algoritmos não serem considerados públicos. A Comissão Europeia pediu por várias vezes o acesso a algoritmos e isso foi-lhe negado por intromissão nos segredos comerciais da empresa.

Imagem 3D (“Escultura”) produzida pela Inteligência Artificial na net.

O paradigma da Inteligência Artificial está no objecto da sua existência. Ela tornou-se rapidamente no novo Graal das novas tecnologias. Em 1980, ainda estavam a aparecer os primeiros computadores XT e AT com processadores Intel 8086 e 80260. As disquetes eram de 1/4´´ e guardavam entre 360 Kb (Kilobytes) e 1,4 (Megabytes). As antigas floppy’s, pois eram de material plástico ductil, se fossem dobradas ficavam inutilizadas. Depois surgiram as disquetes de 720 e 1,4 Mb. A partir daí, nunca mais pararam os formatos e as disquetes de maior capacidade. Era comum um programa ter cerca de 20 disquetes de instalação. O caso do Windows ou do Autocad 10, ou do Adobe Photoshop. Os programas eram fornecidos em caixas coloridas bem preparados, com vários manuais de utilização e muitas vezes traziam um ou dois programas adicionais de demonstração. O salto do armazenamento usado na memória seguia a lei de Moore: ´´A cada ano a capacidade dos processadores duplica.´´ George Moore foi um dos fundadores da Intel, o maior fabricante de processadores dos Estados Unidos. Essa lei, uns anos depois, foi alterada para a capacidade duplicar cada dois anos. Assim se tem mantido até aos dias de hoje. 

O salto tem sido gigantesco. Em cerca de quarenta anos, passamos de computadores com 1 Mb de Ram para Gigabites. O último chip da Micron tem uma capacidade de 256 Gb. Certo que se destina a máquinas especiais equipadas com cpu’s (central processor unit) da Intel, o Xeon Scalable ´Granite Rapid, que irá equipar as novas máquinas destinadas à Inteligência Artificial. Cada módulo de memória terá um custo de 10.000 dólares e serão colocados no mercado com duas disposições diferentes. Uma vertical outra paralela sobreposta. Esta última terá um maior aquecimento.  Mas porque que é que as memórias se tornaram de repente o conundrum deste enorme circo? Certo que o principal é o processador de um computador ou de um servidor main server. A memória, para além de ser rápida e ultra rápida, como iremos ver de seguida, mantém o processador em funcionamento paralelo. Os seus múltiplos cores (diríamos corações) processam a informação consoante esta lhe vai chegando, sendo necessário que não espere muito tempo pelos pacotes de informação a processar para não existirem sifões ou bootle necks, que atrasem todo o cálculo. Mais memória, rápida ou ultra rápida, vai fazer com que os processadores cada vez mais rápidos possam satisfazer os cálculos a efectuar.

O fabricante de memórias concorrente da Samsung na Coreia do Sul, anunciou muito recentemente a construção de uma fábrica em quatro pólos diferentes. Irá demorar 22 anos a ser construída com um custo de 88 bilhões de euros (90 bilhões de dólares). Por aqui vemos quanto são importantes as memórias, o seu custo e a necessidade de programar com muita antecedência. Todo o governo da Coreia está envolvido em proporcionar as maiores condições para a execução deste projecto. Paralelamente, na Inglaterra, uma empresa nova, um unicórnio, vai começar a construir os primeiros protótipos de memórias ultra rápidas (HBM). Estas memórias para além de serem mais rápidas do que as actuais (8800 Khz para as Micron de 256 Gb) não precisam de energia para guardarem os seus dados. O computador pode ficar desligado 1.000 anos e a informação fica guardada durante este período.

Temos memórias, processadores rapidíssimos, computadores quânticos que irão futuramente entrar na liça, só falta resolver dois pequenos problemas. Um: a energia que essas fábricas e essas máquinas vão precisar para poderem funcionar. A última aliança da Microsoft com a GPT4, a plataforma de utilização pública que fornece inteligência artificial anunciaram o investimento de 98 biliões de euros (100 biliões de dólares), com uma facturação de dois mil milhões de euros em 2023. No entanto, Sam Altman, o gestor (CEO) da empresa, acabou pela segunda vez de ser afastado do cargo principal que tem a ver com a negociação dos fundos de investimento. Veremos os próximos episódios. 

Uma plataforma deste tipo não só necessita de uma central nuclear para fornecer a energia necessária como de mão de obra qualificada. Este último factor é o maior problema que enfrentam. Onde encontrar engenheiros em número suficiente para integrar os quadros de uma das empresas mais avançadas do mercado? Número suficiente de empregados pressupõem alguns milhares de colaboradores. Aqui, mais uma vez se vê a dualidade de critérios da política norte americana para a imigração e da maioria dos governos de direita em particular. Precisam de mais e mais trabalhadores. A própria sociedade é incapaz de fornecê-los. Como conseguir? Indo a países ao seu redor, financiando guerras, miséria sem alternativa nos países em seu redor. Como o México e a América Latina, ou na África e na Ucrânia onde vão buscar os licenciados mais capazes de competir num mercado de trabalho altamente qualificado. Dessa forma, os países que ficam sem esses profissionais sofrem a pressão de os formar e perder para um poder central maior que o deles. São as leis do mercado. Suponhamos que estas leis do mercado são impostas e até cooptadas pelos governos locais. Como poderá a Inteligência Artificial ajudar estes países mais pobres? Poderão eles trabalhar nos países de origem auferindo salários milionários para esses países e descontando nos impostos e na segurança social? Como ser de facto correcto para com estas pessoas oriundas de governos que estão a braços com a sobrevivência diária da população? Não deverão estas questões ser colocadas aos cérebros iluminados que compõem os algoritmos que servem para nos dar respostas correlatas e embelezadas da realidade quotidiana?

Vamos colocar essa questão ao célebre GPT4 e esperar pela resposta.

Imagem produzida pela Inteligência Artificial na net.

Esta nova versão já foi ultrapassada pela GPT 4.0. Este trás consigo novidades para quem trabalha constantemente com Inteligência Artificial. O OpenAI, o seu fabricante anunciou uma maior rapidez e capacidade de interagir em conversação em tempo real, seja por texto ou por voz.

Para além de um repositório muito maior de textos e imagens, pode combinar também áudio. No entanto, o que mais nos interessou são as gerações de modelos 3D através da simples introdução de texto. 

Muitos fabricantes como o Archicad da Graphisoft, um modelador para arquitectura, como o Rhinocerus para design 3D apresentam algumas soluções interessantes. Mas não passam de uma mediania por enquanto, no entanto fazem crescer água na boca na expectativa das suas versões futuras. Aquela que mais nos fez acreditar nesta nova tecnologia é gratuita. Enquanto as aplicações anteriores andarão na casa dos 100-300€ por mês, o Blender uma aplicação de modelação 3D e render, é totalmente gratuito. Só não são gratuitas as dores de cabeça para trabalhar com um interface completamente labiríntico e pouco intuitivo. Os fãs do Blender não compreendem como não se pode amar um software sem o mínimo de facilidade e de interface fácil. Apesar de estarmos no século XXI, muitas das aplicações ainda foram desenvolvidas no século anterior e não é fácil mudarem a sua maneira de interagir. De facto, se é gratuito é porque não será propriamente uma pera doce, mas sim uma aplicação de sete ofícios. Tanto tem para quem queira construir objectos em 3D como para desenho BIM de arquitectura, ou um render bastante interessante se bem que algo pesado, o Cycles. Mas voltando à vinculação com a AI tudo começa através do reconhecimento API. A partir do momento em que temos a assinatura com o provedor do serviço ChatGPT ou Open AI, devemos fornecer o código API para que a ligação se faça nos dois sentidos. Entre o software e a IA. 

Fomos descobrir um software de modelação bastante interessante e robusto, o 3DCoat. Existe desde o ano 2000 e qualquer coisa. É composto por três aplicações diferentes o Modelador, o Textura e o Print3D. São três aplicações específicas com preços muito interessantes, que vão dos 100 aos 300 e poucos euros por uma assinatura vitalícia.

O que interessa na IA neste casos é a capacidade de poder interagir de forma textual, como quase se fazia nos tempos do MS-DOS, com comandos ao sistema. Neste caso, pedimos que nos mude ou altere algo que não gostamos ou faça opções paramétricas. As quais poderão ser dimensões, número e cor dos objectos, texturas, iluminação, etc. Pode-se dizer que é uma evolução relativamente à tecnologia existente porque produz novos padrões segundo as instruções dadas. Também pode inventar, claro. A partir desse ponto tudo é possível, como dobrar actores conhecidos como se estivessem a actuar segundo o nosso próprio guião.

Imagem 3D (“Escultura”) produzida pela Inteligência Artificial na net

Ao princípio, ainda pensei dar um título a esta compilação de artigos, definir vários temas, algumas referências bibliográficas, deitar tudo no caldeirão da Inteligência Artificial e esperar pelo resultado. Apesar de ser uma ideia aliciante, a qual me iria poupar muitos cabelos e sobrancelhas brancas, acabei por prescindir dessa bengala como se de um corrector ortográfico fosse. Certo que há muitos negócios que progrediram e irão continuar a progredir dessa maneira. Não fosse o enorme interesse mostrado pela indústria, a alavancagem de fortunas exorbitantes à sua volta e tudo passaria despercebido ao comum dos mortais. Até porque somos uma enorme maioria de consumidores passivos das tecnologias. Elas impuseram-se a bem ou a mal, mostram as suas vantagens e desvantagens, mas ninguém nos pergunta quais os perigos que daí poderão advir. São tudo vantagens, mesmo que para isso deixemos à nossa volta um enorme campo de necessitados que não entram no jogo dos deves e haveres da indústria.

Todas estas questões levantam enormes problemas éticos e políticos perante os governos dos países que são directamente afectados. Para responder a estas e outras questões, iniciamos esta série de artigos que esperamos sejam do agrado do público.

Sempre que possível teremos um artista nacional ou estrangeiro no fim de cada artigo com algumas caixas e imagens do trabalho que desenvolve e as suas questões mais prementes. Se bem que a arte seja uma forma de análise do tempo presente e do futuro, ela serve para equacionar o tempo que vivemos dentro de outras realidades paralelas. A ciência ensina-nos a pensar o presente, a arte a usufruir desse presente perante uma realidade diferente segundo os prismas em que se veja.

Para identificar um gato, foram preciso 16.000 computadores. Reconheceu os gatos mais uns 19.900 itens diferentes com sucesso. “Nunca lhe dissemos que isto era um gato. Basicamente, desenvolveram o seu próprio conceito´´, explicou Jeff Dean membro académico da Google.  (in Datamation/NYTimes.)

(Cormen)  Algoritmos / Thomas H. Cormen… [et al.] ; [tradução Arlete Simille Marques]. – Rio de Janeiro : Elsevier, 2012.

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